Relembre algumas coleções de figurinhas que deixaram saudades – e outras de que muita gente ainda vai falar com saudosismo
Por Marcus Ramone
Tudo começou com um “matarrato”.
Assim eram popularmente chamados os cigarros baratos que, em 1895, costumavam ser vendidos no Brasil. Foi nesse ano que a fábrica paulista França & Mursa lançou, como parte das embalagens de cigarro, a série de ilustrações Marinha Brasileira, inaugurando oficialmente no País um dos passatempos mais divertidos e saudáveis para crianças e adultos: a coleção de figurinhas.
A partir de então, diversas outras empresas aderiram ao artifício de encartar pequenos painéis ilustrados em seus produtos, como forma de incrementar as vendas entre os colecionadores.
Mas foi somente em 1928 que apareceu o primeiro catálogo para o colecionador colar as figuras. Graças à Fábrica de Balas e Biscoitos Novo Mundo, que lançou o álbum Novo Mundo, acompanhado da série de cromos homônima – outros pesquisadores apontam como pioneiro A Hollandeza, lançado em 1934 pela fábrica de balinhas de mesmo nome.
E foi assim que figurinhas e álbuns passaram a andar juntos nas promoções de guloseimas – nos anos 1980 e 1990, os chicles de bola Ping Pong e os iogurtes da Danone se destacaram dentre os demais, nesse quesito.
Em 1949, com a publicação do álbum Branca de Neve e Os Sete Anões (apresentando os personagens do longa-metragem de animação da Disney), a Editora Vecchi entrou para a história do colecionismo brasileiro ao criar os envelopes de figurinhas. Antes disso, os cromos eram vendidos avulsos.
Os envelopes se tornaram tão importantes que também costumam ser guardados pelos colecionadores. Algumas editoras já avistaram essa brecha para faturar mais um troco e vêm lançando séries de envelopes com ilustrações diferentes. A Panini foi a primeira a fazer isso, em 2006, com o álbum Superman – O retorno, seguido por Turma da Mônica – Princesas e Contos de Fadas (2008), Homem de Ferro (2008) e outros.
Para os colecionadores de hoje, talvez o grande marco desse secular hobby seja Amar é…, publicado pela Editora Abril, em 1979. Essa foi a primeira coleção de figuras autocolantes lançada no Brasil. Finalmente, a praticidade e a economia de tempo e tubos de cola haviam chegado ao mundo dos álbuns de figurinhas. Era também o adeus aos dedos lambuzados.
Amar é… foi lançado muitas vezes no País, em vários formatos e tamanhos, por diversas editoras, até 2010. Ao lado dos estrelados pelos personagens da Hanna-Barbera, Disney e Turma da Mônica, e do já tradicional Campeonato Brasileiro, é o título mais recorrente em álbuns de figurinhas no Brasil.
O curioso é que não há registros de reclamações dos partidários do politicamente correto contra essa série em que um casal, totalmente nu, ilustra declarações de amor. Ainda bem.
Santa criatividade!
Na história dos álbuns de figurinhas no Brasil, não faltam ideias malucas para despertar o interesse dos colecionadores. Valia – e continua valendo – de tudo.
Se a questão é formato diferente, há os exemplos de Campeonato Brasileiro 2011 (Panini) – em tamanho gigante, capa dura e papel couché de maior gramatura -, Hulk (Panini, 2008), com o corte da capa e das páginas contornando a parte superior do personagem da Marvel Comics, e O Galinho Chicken Little (Abril, 2005), cujo formato é o do “pedaço do céu” que cai na Terra no início do filme.
E há ainda os de visual arrojado, como Princesas Disney (Abril, 2008), um caderno pautado com capa dura e espiral de arame.
As figurinhas também passam regularmente por um banho de atrativos. Tem cromos aromatizados (Moranguinho, Abril, 1984), fosforescentes (Disney de A e Z, Abril, 1981), metalizadas (Heróis Marvel em Ação, Abril, 1985), transparentes (Turma da Mônica e Ronaldinho Gaúcho – Copa do Mundo 2006, Panini), em transfer (A Turma da Mônica, Abril,1979), plástico com recheio acolchoado (Reino Animal, RGE, 1981) e variadas texturas, como glitter e purpurina.
Recordar é…
Se o novo século chegou e as diversões mudaram e outros interesses surgiram para alegrar os momentos de lazer de crianças, jovens e adultos, é certo que o centenário hábito de colecionar figurinhas passou incólume por tudo isso. Continua tão forte no Brasil que as editoras investem, anualmente, milhões de reais na publicação de álbuns. Somente a Abril lança, em média, mais de 12 títulos por ano.
Por esse motivo, o público colecionador infanto-juvenil desta época terá muito do que se lembrar com saudade, daqui a alguns anos. Da mesma forma que vale agora aos veteranos recordar, a seguir, alguns dos melhores álbuns lançados no Brasil até hoje.
Balas Futebol – Craques do Campeonato Mundial 1950 (Indústria de Balas e Chocolates A Americana, 1950), 139 figurinhas – Simplesmente a primeira coleção de figurinhas sobre a Copa do Mundo de futebol lançada no País.
O álbum tinha páginas com ilustrações de fundo idênticas – mudando apenas a bandeira e o nome dos países participantes do torneio -, em que as figurinhas dos jogadores eram coladas na ordem de um esquema tático (sempre o 2-5-3). A última página era dedicada aos cromos com cenas de jogos de algumas seleções.
E ainda tinha um motivo a mais para atrair a criançada: preenchendo completamente o álbum, o colecionador poderia trocá-lo por uma bola de futebol oficial.
As figuras vinham dentro das embalagens das balinhas.
Heróis dos quadrinhos (Vecchi, 1977), 210 figurinhas – Os personagens clássicos da King Features, muitos ainda em atividade naquele e nos anos seguintes – como Fantasma, Mandrake e outros – eram as estrelas desta publicação. Pinduca (chamado no álbum de Carequinha), Recruta Zero, Popeye, Flash Gordon e muito mais estiveram nesta reunião única de várias das maiores criações dos quadrinhos.
A diagramação dos quadros era simples, todas as páginas tinham o fundo branco e nenhum atrativo visual, mas… ora, quem se importava com isso? O que fazia a cabeça da garotada era ver tantos personagens bacanas juntos.
Fantasma (RGE, 1979), 256 figurinhas – O primeiro e único álbum do Espírito-que-Anda no Brasil. As 35 páginas mostravam toda a história de quatro séculos da dinastia do Fantasma, revisitando cenas importantes dos gibis do personagem, como a do casamento do herói com Diana Palmer e a lua de mel dos pombinhos.
Homem-Aranha (RGE, 1981), 261 figurinhas – Reproduzia, em fotos, o filme para TV (no Brasil, foi exibido nos cinemas) que deu origem ao seriado do escalador de paredes.
As imagens só reforçavam o que de mais tosco havia nos efeitos visuais do filme. Mas pergunte se alguém ligava para isso e a resposta será um “Que nada! Aquilo era simplesmente demais!” – apesar de que os cromos não eram autocolantes.
Interessantes mesmo eram as figurinhas ilustradas com a galeria de amigos e inimigos do Homem-Aranha, alguns com os nomes diferentes do que a Abril adotaria pouco depois, quando assumiu a publicação dos personagens da Marvel no Brasil.
Ping Pong – Espanha 82 (Ping Pong, 1982), 300 figurinhas – Lembra daquela Copa do Mundo de futebol que o Brasil perdeu, mas que não deveria nunca ter perdido? Pois é, todo mundo faz questão de esquecer aquilo, mas este álbum de figurinhas, com todas as seleções do Mundial de 1982, ainda é alvo de adoração dos saudosistas e colecionadores.
O álbum era distribuído gratuitamente nas escolas (ou vendido em qualquer bodega da esquina) e depois era só a criançada se empanturrar de chiclete para pegar as figurinhas que vinham dentro da embalagem.
Além dos jogadores de cada equipe, os cromos traziam as bandeiras dos países participantes da Copa e mais algumas divertidas charges. Sem contar a tabela dos jogos na terceira capa. Tem gente que até hoje não quis registrar o placar de certo jogo entre Brasil e Itália.
Bem me quer (RGE, 1983), 192 figurinhas – Mais meigos e fofuchos que o casalzinho pelado do Amar é…, as crianças e bichinhos desta série foram os verdadeiros queridinhos das meninas do começo dos anos 1980. Criados pela ilustradora australiana Sarah Kay, eles estampavam papéis de carta, cartões de aniversários e outros badulaques mundo afora.
Não há como negar a beleza dos desenhos, que, acompanhados de frases românticas rimadas, faziam suspirar as garotinhas. Olha só o estilo: “Sempre é bom estar ao lado / De alguém que seja amado”.
Coleção Chapinhas (Editora Antares, 1983), 211 chapas – Tudo bem que não eram necessariamente figurinhas, mas pequenas chapas circulares metálicas, seguindo o mesmo padrão de Chapinhas de Ouro, lançado em 1977 pela Dimensão Cultural. Separadas por temas, traziam ilustrações engraçadas, bizarras e malucas, além de emblemas de carros de luxo (Ferrari, Mercedes-Benz e outros) e símbolos conhecidos do mundo pop, como os lábios e língua escarlates dos Rolling Stones.
Agora imagine sair da banca carregando vários pacotinhos dessas chapas, para colar em casa. Não eram nada leves, mas isso nem se comparava ao peso do álbum completo.
Quem não cuidou bem da coleção, viu a ferrugem destruí-la com o passar do tempo.
Super-Heróis em ação (Abril, 1984), 192 figurinhas – Foi o primeiro álbum de super-heróis da DC lançado pela Abril. E saiu no capricho. Além das páginas ilustradas com quadrinhos originais dos personagens e a biografia de cada um deles, o álbum tinha figurinhas desenhadas por alguns dos grandes artistas dos gibis da época.
Os cromos metalizados também eram uma atração à parte. Tinha até uma galeria com os Super Júniors, versões infantis e fofinhas dos heróis.
Stamp Color (Petit-Color, 1985), 232 figurinhas – Uma adorável gororoba formava o mix de cromos deste álbum. Divididas em várias seções, como Super Sports, Profissões, Rock Pop, Explosão Internacional, Nosso Brasil e outras, as figurinhas reproduziam aquelas estampas fáceis de encontrar em qualquer camiseta.
Eram ilustrações infantis, capas de LPs de bandas de rock (Iron Maiden, Meat Loaf, Led Zeppelin etc.), símbolos nacionais, carros possantes e muito mais.
Você é… (Editora Safira, 1985), 240 figurinhas – Cromos autocolantes com elogios, gozações e xingamentos. Tudo com muito bom humor e ilustrações divertidas. E virou mania entre a criançada. Quem não queria tirar um sarro do amigo ou do desafeto colando um desses cromos nas costas do infeliz? Ou então colar a figura que dizia “gatinha” no caderno da garota mais bonita da classe?
Foi mais um daqueles álbuns em que ninguém se importava em ter muita figurinha repetida.
California Dreamers (Abril, 1985), 192 figurinhas – Servia para a turma do bairro ou do colégio mostrar o quanto era “descolada”, mesmo que não conseguisse entender nada do que algumas daquelas imagens queriam dizer.
Fotomontagens, pessoas e objetos em poses esquisitas, piadas com fotos ou em design gráfico, frases engraçadas, tinha tudo que fazia dos anos 1980 uma louca década de experimentações visuais. Valia a pena ter muitas figurinhas repetidas.
Roque Santeiro (RGE, 1985), 120 figurinhas – Talvez a melhor novela brasileira de todos os tempos, não apenas da TV Globo, mas da história da nossa teledramaturgia. E o álbum seguiu pelo caminho dessa qualidade.
Era uma espécie de revista-pôster em papel cartonado que, fechada, media quase 50 cm de altura. De um lado, uma galeria com as fotos dos atores interpretando os personagens e outra em que eles diziam – em balões de diálogo – as frases características de cada um na novela.
E no centro do álbum, formando um gigantesco painel quando aberto, um desenho estilizado da praça principal de Asa Branca (a fictícia cidade onde se desenrolava a trama de Roque Santeiro), povoada pelos personagens caricaturados, cujas imagens eram completadas pelas figurinhas autocolantes.
Deixou tanta saudade quanto a novela.
Rock Stamp (Petit-Color, 1986), 229 figurinhas – Cromos autocolantes com fotos ou desenhos de tudo que se relacionasse ao rock, principalmente a vertente heavy metal.
Tinha imagens de caveiras, ilustrações épicas de exaltação ao rock””””n””””roll, estampas de pop art e outras atrações.
Mas é claro que as estrelas eram as bandas e cantores. Desfilaram por ali figurinhas com fotos das bandas e de capas de discos. Os fãs de Judas Priest, Motorhead, Metallica, Kiss e de muitas outras metal bands de sucesso, na época, puderam expressar a paixão por seus ídolos colando as figurinhas na porta do quarto, no caderno, na mochila da escola, nas costas do professor…
Senninha e Sua Turma (Multi Editora, 1995), 150 figurinhas – Lançado um ano depois da morte de Ayrton Senna, serviu não apenas como uma homenagem póstuma ao piloto de Fórmula 1, mas também mostrou que a popularidade da versão em quadrinhos do esportista estava em alta.
Reunido todos os personagens que apareciam mensalmente no gibi, o álbum veio com capa dura (na época, um luxo raro para esse tipo de publicação) e papel especial.
Marcou toda uma geração de fãs de Ayrton Senna e, atualmente, é um cobiçado item de colecionador.
Turma da Mônica – A volta do Capitão Feio (Globo, 2005), 180 figurinhas – Saga em quadrinhos integrada por cromos que completavam a história. A aventura é um épico no melhor estilo da série Crise nas Infinitas Terras, da DC.
O grande barato era completar os quadrinhos com as figurinhas e ver a HQ se formando. Ficção científica, humor e ação se misturam, com direito a cromos especiais transparentes.
Além de tudo, o álbum promoveu um grande crossover entre os núcleos de personagens de Mauricio de Sousa.
Disney Stars (Abril, 2007), 204 figurinhas – Patrocinado pela fábrica de brinquedos Estrela e com um investimento de R$ 12 milhões, o álbum marcou a volta de Tio Patinhas, Zé Carioca, Prof. Pardal e diversos outros personagens clássicos da Disney a esse segmento, depois de muitos anos.
É claro que eles estiveram juntos pouco antes, em Copa Disney 2002 e Copa Disney 2006 – que, ao lado de Copa Disney 2010, nada mais eram que as mesmas figurinhas em um álbum visualmente diferente. Mas era a primeira vez que estrelavam um álbum não temático, sem a necessidade de aparecer com roupas e personalidades alteradas, desde a década de 1980.
Melhor ainda: o álbum alternava páginas com HQs, contos ilustrados e passatempos. Tudo para ser completado com figurinhas.
Como se não bastasse, alguns envelopes vinham premiados com um vale-brinde. Muitos sortudos ganharam aparelhos MP5, bonecas, vales-compras e mais uma bela lista de prêmios.
Mundo Animado (Abril, 2009), 270 figurinhas – Tamanho gigante, páginas ricamente ilustradas e uma grande variedade de criações clássicas do universo de Looney Tunes, Hanna-Barbera e Tom & Jerry.
Uma aposta ousada, pois praticamente todos os personagens do álbum estavam – e ainda estão – esquecidos do grande público e fora da TV.
Mas a nova geração de fãs de desenhos animados parece ter gostado. Ao menos, os pais lavaram a alma apresentando aos filhos aqueles que fizeram sucesso e divertiam a infância de muita gente até um tempo nem tão distante assim.
Mandachuva, Pepe Legal, Frangolino, Formiga Atômica, os competidores da Corrida Maluca e muitos outros personagens estão agradecidos.
De uma coisa não se pode duvidar: a história das coleções de figurinhas no Brasil continuará sendo contada por muito tempo. Isso até daria um bom tema para um novo álbum.
E para saber um pouco mais sobre essa história, vale conferir as matérias Grandes coleções Marvel e DC no Brasil, Turma da Mônica: as coleções que marcaram época e Coleções inesquecíveis da Disney no Brasil, publicadas no Universo HQ.
Ou, então, visitar o site Nosthalgia e vislumbrar o vasto registro de capas de álbuns brasileiros de várias épocas – algumas delas exibidas na galeria abaixo.
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Marcus Ramone colecionava álbuns de figurinhas até a adolescência. Quando chegou à fase adulta, não parou nunca de fazer isso.